
Revista vexatória: Organizações de dereitos humanos denunciam prática abusiva na CIDH
- Mais de 60 organizações pedem à Relatorias da CIDH e da ONU e se manifestem contra a revista vexatória no Brasil.
- A prática atinge especialmente mulheres negras e crianças, podendo ser caracterizada como tortura sexual e violação de direitos humanos.
- A possível institucionalização da prática pelo STF contraria normas internacionais e agravaria abusos no sistema prisional.
Rio de Janeiro, Brasil. 07 de março 2025 – No marco do 8M, Dia Internacional da Mulher, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), em conjunto com mais de 60 organizações de direitos humanos do Brasil, apresenta uma carta às Relatorias da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH): sobre os Direitos das Mulheres, os Direitos das Pessoas Afrodescendentes e contra a Discriminação Racial, e sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade, bem como à Relatoria Especial da ONU sobre Tortura.
A carta expressa profunda preocupação com o julgamento pendente perante o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro sobre a prática de “revista vexatória” e solicita a manifestação da CIDH e da ONU sobre a incompatibilidade dessa prática com os padrões internacionais de direitos humanos. Destacam-se os impactos negativos da medida, especialmente sobre mulheres negras, crianças e bebês que são sistematicamente submetidos a tais procedimentos.
Desde 2020, o STF analisa a legalidade das provas colhidas por meio de revista vexatória no âmbito do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 959.620, o qual teve a repercussão geral reconhecida pelo tribunal, o que significa que a decisão adotada pelo referido Tribunal será aplicada em todos os casos semelhantes na justiça brasileira.
Apesar de uma paralização do julgamento em 2021, a sua retomada em 2024, manifestou indícios de um possível entendimento do Tribunal pelo reconhecimento de legalidade das provas obtidas por meio de revista vexatória. Entende-se caso isso venha a se confirmar, haverá um aumento da ocorrência de tais práticas.
A carta ressalta que a revista vexatória, embora proibida em alguns estados do Brasil quando aplicada em relação a visitantes de pessoas privadas de liberdade, ainda ocorre de forma generalizada. Essa prática atinge principalmente mulheres negras, que são forçadas a se despir, agachar-se sobre espelhos e expor suas partes íntimas sob a supervisão de agentes penitenciários. Crianças e bebês também são submetidos a esses procedimentos, tornando a situação ainda mais alarmante. O documento enfatiza que tais práticas configuram uma forma de tortura e violação da dignidade humana.
A CIDH e outros organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Comitê Contra a Tortura da ONU (CAT), já se manifestaram contra a revista vexatória. Em casos anteriores, essas entidades reconheceram essa prática como uma forma de tortura e violência de gênero, incompatível com tratados internacionais de direitos humanos. No Caso Penal Miguel Castro vs. Peru, por exemplo, a Corte Interamericana determinou que a revista íntima com toque genital é uma forma de violência sexual e deve ser classificada como tortura.
Em documento produzido após a visita mais recente do Comitê Contra Tortura da ONU, datado de junho de 2023, o Comitê indica, em suas Observações Finais sobre o segundo informe periódico do Brasil, estar preocupado com as denúncias de agressões e violência sexual dentro das instalações prisionais, com incidência particularmente alta contra mulheres privadas de liberdade.
Nesse sentido, a carta ressalta que a institucionalização de tal prática seria um grave retrocesso aos direitos fundamentais e contribuiria para a perpetuação do racismo e sexismo na sociedade brasileira. Salienta-se que de acordo com a CIDH, qualquer medida que restrinja o contato familiar das pessoas privadas de liberdade deve respeitar os princípios da dignidade humana e da proporcionalidade, não podendo impor condições humilhantes e degradantes. A imposição dessas revistas, especialmente contra mulheres negras, reforça processos de históricos de violência e desumanização.
Diante desse cenário, as organizações signatárias solicitam à CIDH e à ONU que acompanhe de perto essa situação e cobre do Estado brasileiro dados sobre a prática da revista vexatória. Além disso, pedem aos órgãos que se posicionem publicamente contra a revista vexatória, reforçando a necessidade de erradicar esse tipo de procedimento desumano no Brasil.