Emergência climática: em um processo histórico e com participação recorde, encerraram-se as audiências públicas para o parecer consultivo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos
- A mais alta corte regional de direitos humanos ouviu mais de 170 organizações, especialistas, comunidades afetadas e ativistas sobre o impacto da emergência climática.
- As audiências foram realizadas em maio, em Brasília e Manaus, e em Barbados, em abril.
Manaus, Brasil, 30 de maio de 2024 – Foram concluídas as audiências públicas perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) acerca da Opinião Consultiva sobre emergência climática e direitos humanos, solicitada pelos Estados do Chile e da Colômbia. As audiências começaram em abril em Barbados e continuaram no Brasil, nas cidades de Brasília e Manaus. Esse foi um diálogo histórico em que a Corte ouviu centenas de organizações, ativistas, comunidades indígenas, especialistas, acadêmicos e jovens de todo o mundo sobre o impacto da crise climática.
“Sentimo-nos muito honrados por estar aqui, na Amazônia, que é muito simbólica e representativa para a questão que estamos analisando, pois a floresta amazônica é o pulmão do mundo”, disse a presidente da Corte, juíza Nancy Hernández, no início do primeiro dia de debates em Manaus.
Durante as audiências, dentre os temas discutidos destacam-se: políticas para mitigar os efeitos causados pela emergência climática; as obrigações dos Estados para enfrentar a crise; os impactos diferenciados em distintas populações, como crianças e adolescentes, mulheres e comunidades indígenas; e o risco enfrentado pelas pessoas defensoras de direitos humanos ambientais. Durante esses dias de trabalho, a Corte pôde ouvir os testemunhos de jovens ativistas, como Francisco Vera, da Colômbia, e membros da Rede Latino-Americana e do Caribe de Crianças e Adolescentes (REDNNyAs) e do Movimento Latino-Americano de Crianças e Adolescentes Trabalhadores, bem como as experiências de membros de comunidades indígenas, como Patricia Gualinga, líder indígena Kichwa, do Equador, e Darío Mejía Montalvo, membro e ex-presidente do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, entre muitos outros.
Viviana Krsticevic, diretora executiva do CEJIL, destacou que “as audiências da Corte Interamericana permitiram uma participação ampla e plural de Estados, especialistas, cientistas, organizações da sociedade civil, crianças, povos indígenas e defensores em seus processos. Mais de cem pessoas e 300 instituições apresentaram à Corte os múltiplos impactos da emergência climática, elementos científicos e experiências comunitárias essenciais para a compreensão do fenômeno, soluções jurídicas para as questões colocadas pelo Chile e pela Colômbia em sua petição, bem como compartilharam as perspectivas, propostas e conhecimentos de crianças, povos indígenas e comunidades afrodescendentes. As audiências geraram um espaço de energia e esperança para um futuro possível em que enfrentemos a emergência climática de uma forma que nos permita minimizar seus impactos e evitar os pontos de inflexão apontados pela comunidade científica e o consenso político expresso nos Acordos de Paris. Agora, a Corte deve decidir”.
No CEJIL, uma de nossas prioridades foi colaborar com a diversificação de vozes, opiniões e conhecimentos durante as audiências. Por isso, ao longo desse processo, trabalhamos com mais de 1.500 pessoas, incluindo cientistas, crianças e adolescentes, membros de comunidades indígenas e defensores de direitos humanos. Esse trabalho resultou na criação de cinco memoriais que submetemos à Corte e em apoio a submissões feitas por outros especialistas da área.
Nesses memoriais, enfocamos nas obrigações estatais derivadas dos deveres de prevenção e garantias de direitos humanos diante da emergência climática; no direito de acesso à informação e nas obrigações relativas à produção ativa de informação e transparência; nas obrigações diferenciadas dos Estados com relação aos direitos das crianças e das novas gerações; nas obrigações convencionais de proteção e prevenção para os defensores ambientais e territoriais e, por fim, nas obrigações estatais decorrentes dos procedimentos de consulta e acesso à justiça diante da emergência climática. “A partir do CEJIL, estamos realizando uma ampla iniciativa para poder fazer e apoiar a participação de vozes de uma diversidade de organizações e especialistas da região, e celebramos esse poderoso espaço de escuta que a Corte proporcionou em Barbados e no Brasil”, disse Florencia Reggiardo, do CEJIL.
A Corte IDH é o único tribunal regional de direitos humanos a receber um pedido de parecer consultivo sobre a emergência climática. Sua resposta poderá orientar os Estados da região no desenvolvimento de políticas e programas no âmbito local, nacional e internacional, de acordo com seus compromissos perante a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e outros tratados de direitos humanos e ambientais.
Outros processos em todo o mundo
O Parecer Consultivo perante a CIDH não é a única medida que está sendo tomada no mundo para buscar respostas e diretrizes na luta contra a emergência climática. Em 21 de maio, o Tribunal Internacional para o Direito do Mar emitiu seu parecer sobre o pedido enviado pela Comissão de Pequenos Estados Insulares (COSIS) sobre as obrigações dos Estados Partes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar em relação às mudanças climáticas. Em sua decisão, o Tribunal concluiu que as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa constituem poluição do ambiente marinho e que, portanto, é dever dos Estados prevenir e controlar a poluição do mar por esses gases a fim de evitar a poluição marítima.
Ao mesmo tempo, por iniciativa de Vanuatu, juntamente com outros 130 estados, foi adotada uma resolução, em março de 2023, solicitando um parecer consultivo para o mais alto órgão judicial da ONU a fim de que emita diretrizes sobre a base jurídica da justiça climática. Além disso, atualmente há vários casos de litígio climático no âmbito nacional e internacional. Em abril, a Corte Europeia de Direitos Humanos (ECHR) decidiu três casos importantes em resposta à inação de Estado frente aos impactos da emergência climática. Dois deles foram considerados inadmissíveis (Careme v. França e Duarte Agostinho e outros v. Portugal), mas no caso Verein Klimaseniorinnen Schweiz v. Suíça, o TEDH considerou que a Suíça violou a Convenção Europeia de Direitos Humanos como consequência das mudanças climáticas.
O direito é uma das muitas ferramentas que buscam auxiliar e pressionar por soluções oportunas e acelerar possíveis respostas à emergência climática. É fundamental aproximar a comunidade científica do campo dos direitos humanos para enriquecer seu trabalho e destacar o papel do direito como uma ferramenta complementar na formulação de políticas relacionadas à emergência climática.