Caso Favela Nova Brasília: 30 anos de luta por justiça!
No dia 18 de outubro de 1994, agentes da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro executaram 13 (treze) pessoas, incluindo adolescentes, durante uma operação policial na Favela Nova Brasília, Complexo do Alemão. Nessa mesma incursão, três jovens, duas delas adolescentes, foram vítimas de atos de tortura sexual por parte de agentes policiais. No dia 08 de maio de 1995, no mesmo local, em outra operação policial, agentes do Estado executaram mais 13 (treze) pessoas.
No marco dos 30 anos da primeira chacina, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL e o Instituto de Estudos da Religião – ISER, organizações que representam as vítimas na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), vêm a público reverenciar a luta corajosa de vítimas e familiares por justiça e denunciar, mais uma vez, o quadro de sistemático descumprimento, por parte do Estado, da sentença internacional que condenou o Brasil e determinou uma série de medidas de não repetição, voltadas para a transformação do modelo de segurança pública vigente, sustentado na violência bélica contra a população negra e periférica e seus territórios.
A sentença condenatória, prolatada pela Corte IDH em 16 de fevereiro de 2017, declara a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo razoável, do direito à proteção judicial, e do direito à integridade pessoal de familiares das pessoas assassinadas e das vítimas de tortura sexual de Estado.
A Corte IDH reconheceu que as duas chacinas se inserem no contexto estrutural de violência policial no Rio de Janeiro, destacando que a letalidade da polícia atinge de forma predominante jovens, negros, pobres e desarmados. Esse contexto é impulsionado pelo acumpliciamento de diversos órgãos de Estado, que produzem uma política de segurança pública violenta e racista.
O Caso está em fase de supervisão de cumprimento de sentença e as vítimas, familiares e organizações representantes têm reafirmado à Corte IDH, em relatórios e audiências, que o Estado não cumpriu de forma minimamente satisfatória os pontos resolutivos da sentença.
Além de medidas de reparação para as vítimas e familiares, que ainda não foram completamente cumpridas pelo Estado, a sentença determinou a adoção de políticas públicas para garantir a não repetição de violências de Estado, com ênfase na redução da letalidade policial, na adoção de mecanismos normativos que garantam investigações sérias, eficazes e independentes em casos de violência policial, com destaque para a autonomia os órgãos de perícia técnica e de medidas que viabilizem a efetiva participação de vítimas e familiares em todas as etapas da investigação e processo.
Segundo dados do próprio estado do Rio de Janeiro, de 2017, ano da publicação da sentença internacional, até 2023, 9.274 pessoas foram mortas por intervenção da polícia, em um panorama de uma política de segurança pública sustentada em índices de letalidade policial alarmantes, incompatíveis com qualquer pretensão de consolidação de um Estado Democrático de Direito.
O tema da redução da letalidade policial articula o Caso Favela Nova Brasília com a Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais – 635, a ADPF das Favelas, em fase final de tramitação no Supremo Tribunal Federal. A mobilização desses dois instrumentos judiciais por movimentos sociais e pela sociedade civil organizada produziu, em alguns momentos, freios na escalada da letalidade policial no Estado.
O quadro geral, contudo, é de descumprimento das medidas da Corte IDH e do STF, já que o Estado do Rio de Janeiro ainda não apresentou um efetivo Plano de Redução da Letalidade Policial, construído com participação popular, que reconheça dimensão estrutural do racismo na política de segurança pública vigente e estabeleça uma meta concreta de redução anual de 70% das mortes provocadas pela atuação do Estado.
A responsabilidade pela política de segurança pública letal e violenta é compartilhada por diversas instituições do Estado, sendo fundamental o papel de controle externo exercido pelo Ministério Público. Contudo, apesar de algumas iniciativas, ainda não há normativa nem prática que garanta a sua atuação para preservar a autonomia e independência em investigações de crimes cometidos por agentes policiais, ou a participação das vítimas e familiares.
Nesse marco de 30 anos de luta por justiça, reafirmamos que a sentença do Caso Favela Nova Brasília é um instrumento de luta coletiva, que se soma ao repertório político construído pelos movimentos de familiares de vítimas de violência de Estado, diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, contra a violência de Estado e por mudanças estruturais no modelo de segurança pública vigente.