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3 de agosto de 2020 Comunicado De Imprensa

Brasil é o epicentro em número de mortes maternas por COVID19

Não há dúvida que a pandemia de COVID19 surpreendeu o mundo, pela rápida expansão e alcance. A pandemia se instalou na região latino-americana dois meses depois do impacto devastador na Europa e na Ásia.  Quando a pandemia chegou ao Brasil, em fevereiro de 2020, a OMS já tinha criado protocolos com orientação para os profissionais de saúde para proteger os grupos com maior risco de morbidade. Entretanto naquele momento não havia informação suficiente sobre as os riscos do vírus Covid-19 para gestação e o parto. As gestantes não foram caracterizadas como potencial grupo de risco.

Segundo estudo do CDC (Centers for Disease Control and Prevention) dos Estado Unidos (June 26, 2020) as mulheres grávidas com Covid-19 tem maior risco de precisar se internar, de necessitar de UTI e ventilação mecânica. No Brasil, apenas em 9 de abril, as gestantes passaram a fazer parte do grupo de risco, e logo em seguida as mulheres em situação de pós-aborto ou perda fetal.

Uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos Feministas em Política e Educação (GIRA), vinculado a Universidade Federal da Bahia (UFBA) ouviu 250 mulheres gestantes e puérperas de todo o Brasil durante o mês de abril de 2020. “Quando perguntadas se a pandemia alterou seus planejamentos de parto, 52,7% disseram que sim e 90,8% disseram que percebem mudanças na forma como se sentem em relação à gestação. Medo, tensão, ansiedade, insegurança, frustração, tristeza e solidão são algumas das palavras que passaram a fazer parte do repertório das mulheres entrevistadas para descrever como se sentem em relação às alterações ocorridas no atual cenário.”

As maiores questões que preocupavam às gestantes eram quase obvias: o risco de exposição ao vírus nos hospitais, suas redes mais próximas constituídas por familiares idosos que integram também grupo de risco não estarem mais disponíveis para auxiliá-las, redução da renda própria delas ou de seu familiar e a insegurança alimentar. Nesse cenário o Estado deve criar estratégias para que o Sistema Único de Saúde disponibilize equipe médica para parto domiciliar, telemedicina e outras formas de atendimento que ofereçam segurança para as mulheres gestantes, mas o que vem acontecendo infelizmente é o contrário.

Bia Galli, diretora de CEJIL Brasil e Relatora Especial Nacional do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil, expressou no Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Discriminação contra Mulheres e Meninas sobre a questão da Saúde sexual e reprodutiva em tempos de crise e insegurança humana: maternidades e encaminhamentos de baixa complexidade para o parto humanizado foram fechados e as mulheres vinculadas ao serviço foram direcionadas para hospitais gerais, que também são referência no atendimento a pacientes com Covid-19 e que, por esse motivo (evitar contaminação), e muitas vezes estão lotados e sem leitos disponíveis para as gestantes.

O exemplo anterior é só uma pequena parte do problema, como explicou Galli na sua apresentação: “No Brasil, não existe um plano de contingência integrado entre governo federal e estados para enfrentar a pandemia. Essa resposta caótica à gravidade da pandemia custou milhares de vidas. Existe uma política deliberada de não proteger os grupos populacionais que enfrentam maiores riscos, especialmente comunidades pobres que vivem em favelas, em cidades urbanas onde o acesso a água potável e saneamento é dificultado.  O estado não priorizou as necessidades de saúde de mulheres, adolescentes e mulheres grávidas na prevenção e resposta à pandemia de Covid-19 e as barreiras sistêmicas aos serviços de saúde reprodutiva sexual são agravadas pela pandemia de Covid-19 e persistem sem nenhum sinal de reversão. Lacunas na provisão que inibem o acesso a serviços essenciais de saúde reprodutiva, como contracepção, atenção pré-natal, atendimento obstétrico de emergência e aborto legal, particularmente para mulheres negras, residentes em áreas urbanas periféricas ou áreas rurais remotas, mulheres migrantes e jovens mulheres e adolescentes em geral aumentando os riscos de mortes e lesões evitáveis.”

Dentro desse panorama de absoluta ausência de políticas eficazes que garantam o acesso ao pré-natal e o  parto para mulheres gestantes e puérperas durante a pandemia, até o dia 18 de junho tinham sido notificadas 160 mortes maternas em todo o mundo e o Brasil era responsável por 124 dessas mortes. O Brasil tem o vergonhoso primeiro lugar do morte materna por COVID19, oito em cada dez grávidas e puérperas que morreram até agora de coronavírus em todo o mundo, eram brasileiras, segundo estudo feito por enfermeiras e obstetras brasileiras ligadas a quatro universidades – Unesp, UFSCAR, IMIP e UFSC – e que foi aceito e publicado no último dia 9 de Julho no prestigiado International Journal of Gynecology and Obstetrics.

“O estudo mostrou que 28% dessas mulheres que morreram não chegaram sequer a dar entrada em uma UTI, 15% não receberam nenhuma modalidade de assistência ventilatória. Entrando ou não na UTI, apenas 64% foram intubadas e ventiladas, ou seja, 36% delas não foram. A falta de acesso a assistência é muito crítica. Então, possivelmente, a gestante deve ter maior risco de complicação, mas só se não tiver acesso a assistência adequada tem risco de morte, que é o que está acontecendo por aqui.” Afirmou a Dra Melania Amorim quem apresentou a estudo na mídia social.

“A responsabilidade estatal pela negligencia com a vida das pessoas durante a pandemia tem sido flagrante:  foram demitidos dois Ministros de Saúde, e mais recentemente o Brasil ameaçou retirar o apoio para a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) que tem papel central em elaborar diretrizes para os governos da região para responder aos desafios e fortalecer os sistemas de saúde durante a pandemia”, expressa Bia Galli como conclusão.