Relatório da CIDH sobre caso da defensora de direitos humanos Margarida Maria Alves depois de 38 anos do seu assassinato abre um caminho de esperança para o caso Gabriel Pimenta
Em 26 de abril de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou o Relatório de Mérito 31/19 sobre o caso Margarida Maria Alves e familiares vs. Brasil no qual concluiu que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos à vida e integridade pessoal, à justiça, à livre associação, às garantias judiciais e à proteção judicial, em prejuízo de Margarida Maria Alves, bem como de seus familiares.
Margarida Maria Alves, que ocupava o cargo de Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, no Estado da Paraíba, Brasil, foi assassinada em 12 de agosto de 1983 com vários disparos de arma de fogo em seu rosto, presumivelmente pela sua participação na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais da região. Margarida era uma defensora dos direitos humanos e seu trabalho era altamente reconhecido na região, tanto pelas autoridades federais como locais. Ainda que o crime tenha permanecido impune na justiça brasileira, como forma de homenagear a defensora e reconhecimento pelo seu trabalho, foram nomeadas 22 ruas e 4 assentamentos em todo o Brasil; e a cada ano, milhares de mulheres marcham juntas pela reivindicação dos direitos dos trabalhadores agrícolas na maior ação conjunta de mulheres trabalhadoras da América Latina, conhecida como “Marcha das Margaridas” em homenagem a reconhecida defensora e sindicalista.
Os defensores dos direitos humanos como Margarida Alves desempenham um papel essencial na proteção e promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, bem como promovem o respeito pela dignidade humana e enquanto lutam por sociedades plurais e igualitárias, fortalecem as instituições e a democracia. A Declaração sobre os Defensores dos Direitos Humanos, adotada há mais de duas décadas, define defensor ou defensora de direitos humanos como aquele ou aquela que, individual ou coletivamente, promove e busca “a proteção e realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais a nível nacional e internacional”.
Porém, infelizmente, os riscos para a vida dos defensores e defensoras de direitos humanos na atualidade são altíssimos. Os dados sobre violência contra defensores/as no Brasil registrados pela CPT mostram que 2019 foi o ano com maior número de conflitos no campo registrado nos últimos 14 anos, com uma média de 5 conflitos diários e 96% deles envolveram alguma forma de violência provocada por latifundiários ou grileiros. De acordo com o relatório da ONG Global Witness “Defendendo o Amanhã: A Crise Climática e as Ameaças às Pessoas Defensoras da Terra e do Meio Ambiente”, publicado em 2020, o ano anterior foi o maior em número de assassinatos, desaparecimentos forçados e ameaças de pessoas que defendem a terra e o meio ambiente.
Nesse alarmante cenário, as mulheres defensoras de direitos humanos que defendem suas terras, territórios e direitos humanos relacionados ao meio ambiente ficam em situação ainda mais vulnerável. Segundo o Relatório sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos de 2019 do Relator Especial das Nações Unidas, as mulheres defensoras são excluídas da propriedade da terra, das negociações comunitárias e das decisões sobre o futuro de suas terras . Além disso, são mais expostas a diferentes tipos de agressão, violência sexual e uso de estereótipos de gênero para deslegitimar seu trabalho,
Como aponta o relatório da CIDH no caso da Margarida, a ausência de resposta do sistema de justiça e a impunidade contribuem para o aumento da violência, a perseguição e o silenciamento das pessoas que lutam por ideais de justiça, igualdade e democracia. O caso de Margarida Maria Alves demonstra o impacto da litigância internacional para acarretar a responsabilidade internacional dos Estados pelas violações e determinar que tomem todas as medidas necessárias para proteger a vida das pessoas defensoras.
O Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) apresentaram, em 2006, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o caso do assassinato do advogado defensor de direitos humanos Gabriel Sales Pimenta. Assim como Margarida, Gabriel Pimenta exerceu um papel fundamental na representação como advogado popular dos trabalhadores rurais em Marabá, no estado do Pará donde realizou ações judiciais contra os latifundiários especificamente na região de Pau Seco. Nos meses que antecederam seu assassinato, Gabriel recebeu diversas ameaças em decorrência do papel que cumpria na defesa de camponeses em luta pela terra, tendo solicitado a proteção do Estado ao denunciar as ameaças recebidas às autoridades de Belém, capital do estado do Pará, onde foi pessoalmente pedir ajuda em três ocasiões. A ajuda nunca chegou e no dia 18 de julho de 1982, o defensor foi fatalmente baleado com disparos à queima-roupa, em plena via pública em Marabá.
Em 04 de dezembro último, A CIDH apresentou o caso perante a Corte IDH, uma vez que a morte de Gabriel Pimenta revela o descumprimento das obrigações internacionais do Estado brasileiro em prevenir violações contra defensores/as de direitos humanos e proteger o direito à vida e a integridade pessoal para que os defensores/as exerçam livremente suas atividades sem sofrer atentados, ameaças ou represálias.
O caso é exemplar da grave situação de violência no campo no Brasil, que já perdura décadas. Esse padrão de violações de direitos humanos no campo, agravado pela disputa e exploração ilegal dos recursos naturais e pela desigualdade no acesso à terra na região gera uma situação de conflito constante e ameaça à vida, integridade e segurança das pessoas defensoras além de colocar em risco o equilíbrio ambiental, tão necessário nesses tempos de emergência climática.