
Favela Nova Brasília: decisão da ADPF 635 e participação de familiares das vítimas
Na sentença condenatória do Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil, a Corte IDH destacou que a letalidade policial no país se dirige contra a juventude negra e determina que o Estado brasileiro enfrente este quadro através de mudanças estruturais em suas políticas públicas. Contudo, mesmo diante de uma condenação internacional, o Estado brasileiro seguiu inerte no que diz respeito à construção de garantias de não repetição. Em sentido oposto, desde 2017, data da publicação da referida sentença, observa-se um avanço na militarização e no recrudescimento da violência promovida por agentes públicos ou legitimada pelo Estado em todo o país.
Diante do cenário de sistemática violação de direitos fundamentais decorrentes da política de segurança pública adotada pelo estado do Rio de Janeiro, em 2019, foi proposta a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 (ADPF 635 ou ADPF das Favelas). Esta tinha dentre suas justificativas político-jurídicas a obrigação do Estado de dar consequência às determinações da Corte IDH, enfrentar as causas da violência policial e prevenir novas violações.
Em um processo intensamente disputado por movimentos sociais — em especial, movimentos de favela e de familiares de vítimas da violência de Estado —, bem como por outras organizações da sociedade civil, a luta político-jurídica buscou denunciar o genocídio em curso e estabelecer contenções à violência que diariamente se impõe sobre as comunidades negras nas favelas e periferias.
Os familiares das vítimas do caso Favela Nova Brasília desempenharam um papel central nas mobilizações, participando ativamente de atos públicos, audiências e demais espaços de construção política no campo, o que foi incentivado e promovido pelo CEJIL e o ISER, nossos co-peticionários. Também estiveram presentes nas instâncias de diálogo com o Governo Federal sobre o cumprimento das medidas de reparação determinadas no caso, contribuindo com o debate em torno da ADPF e ampliando a incidência política em torno do tema. Essa atuação consistente e comprometida resultou na criação do coletivo de familiares da Favela Nova Brasília, evidenciando o protagonismo delas na luta contra a violência de Estado. Entendemos ser esse um importante saldo político desse processo.
Em relação a ADPF, apesar dos avanços conquistados pela luta político-jurídica dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil desde 2019 — tanto em termos organizativos do campo quanto no que diz respeito às medidas contingenciais de contenção da letalidade policial —, a decisão de mérito da ADPF 635, proferida de forma unânime pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, revela-se incompatível com os marcos constitucionais e convencionais.
Do mesmo modo, a decisão do STF já apresenta consequências visíveis, como no caso da Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para regular a atividade do Ministério Público no controle externo da atividade policial e na investigação direta e independente de crimes cometidos por agentes de Estado, aprovada no último dia 08 de abril.
A referida Resolução tramitou por alguns anos no circuito burocrático do CNMP e a sua proposição deriva diretamente das obrigações impostas pelo Caso Favela Nova Brasília ao Estado brasileiro. Incidimos na construção da normativa que, contudo, passou por uma grave limitação de alcance no momento de sua aprovação, um texto que promove a desresponsabilização do Ministério Público em relação a grande parte dos casos.
O processo de supervisão de cumprimento de sentença de Caso Favela Nova Brasília segue, independente dos recuos do Supremo Tribunal Federal, e é um dos instrumentos coletivos mobilizados para a efetiva transformação da política de segurança pública do Rio de Janeiro. Diante desse cenário, reafirma-se a centralidade da luta coletiva por justiça, reparação e garantia de direitos.
- Nota sobre o julgamento da ADPF 635: segue a luta pelo cumprimento da Sentença do Caso Favela Nova Brasília – preparada pelo CEJIL e pelo ISER
- Decisão de mérito da ADPF 635
- Notícia sobre a resolução do CNMP